Os descendentes de Eva cuspiram na história familiar e por tortuoso raciocínio vislumbraram lucro no apoio a Bolsonaro. A eles não importou apoiar a exata mesma ideologia de Mussolini e Hitler.
Cada geração de nossa civilização tropical foi beneficiada por grandes interpretações do Brasil. A trilogia de Laurentino Gomes é uma delas, e oferece ricas pistas para entender a sobrevivência da cultura escravista.
A história é um bordado elaborado pela deusa Clio no tecido do espaço-tempo, a partir da manipulação dos fios antagônicos da “permanência” e da “transformação”. E a tensão que corre nas linhas da “permanência” é muito poderosa.
Um forte indício de permanência é óbvio na reação à bufa tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro, da qual se formula pergunta retórica:
- Imagine-se que a horda terrorista fosse igual em número e comportamento, porém reivindicando pão, casa e trabalho;
- O que fariam os militares, incluído o traidor golpista, coronel comandante da guarda palaciana do Planalto?
A resposta que omitir dezenas de mortos e feridos será fantasiosa como as explicações do senador-general Mourão sobre seus gastos no cartão corporativo.
O aparelho repressor do estado brasileiro tem lado. Desde a escravidão o chicote estatal é exímio no lascar das costas de pretos, pobres e putas, em “entrar na favela e deixar corpo no chão” (canta o BOPE da PMERJ).
Mais um rastro de permanência é registrado por Laurentino Gomes na manutenção da arcaica estrutura de produção agrária, intacta apesar da abolição de 1888 e, malgrado transformações cosméticas, até hoje vigente.
Por sua vez, o agrarismo anacrônico se sustenta em relações de trabalho nas quais o neo-escravizado não é sujeito (“tem que escolher: direitos ou emprego”), mas objeto dos arbítrios e desejos de seu “proprietário”.
E é legítimo dispor do objeto como meio de satisfação, como ouviu uma empregada da Havan em SC, para quem o gerente recomendou melhorar a cara “para não ir para o tronco" e “para não tomar umas chibatadas".
Sem enxergar a cultura escravista, discutiríamos, por exemplo, a “autonomia do Banco Central” sem dar importância ao fato de o presidente do órgão ser quem é, e fazer o que fez.
Bobby Fields Terceiro é presidente do Banco Central por méritos pregressos e de gestão:
- é neto de Roberto Campos (economista que dedicou a vida CONTRA os interesses do Brasil) e foi amigo de farras juvenis dos filhos de Bolsonaro;
- por Bolsonaro, Bobby 3°, à frente do BC, maquiou a balança comercial em 1 bilhão de reais por mês, e lavou (sem bateia) 39 bilhões de reais de ouro ilegal.
A meritocracia de 3° que o mercado tenta proteger é a que trata indígenas, garimpeiros, e quaisquer outros seres humanos dos quais possa extrair “ouro”, como “recursos” a serem triturados no processo destrutivo escravista. E o fascismo, nascido apenas 3 décadas após a abolição jurídica da escravidão no Brasil, é a ideologia que melhor justifica a neo-escravidão, legitimada por 36% do colégio eleitoral de 2022.
Mesmo protagonistas econômicos ligados ao esclarecimento se perfilaram com o fascismo, do que é triste exemplo o caso da Livraria Cultura, empresa cuja história remonta à berlinense Eva Herz, judia que deixou a Alemanha nazista às vésperas da Noite dos Cristais, em 1938, e se radicou em São Paulo, passando a alugar livros em 1947, e logo depois a vender.
Os descendentes de Eva cuspiram na história familiar e por tortuoso raciocínio vislumbraram lucro no apoio a Bolsonaro. A eles não importou apoiar a exata mesma ideologia de Mussolini e Hitler. E boa parte de seus ex-clientes sabe disso.
Agora, os Herz pagam o preço do apoio ao fascismo.
**Este artigo extraído do site Revista Fórum e não não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum e JHN.

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